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Pode "Perder" alguns segundos com estes Causos, vai aliviar os pensamentos.....

NAMORADA DA CIDADE - Um dia Zé Ruela arrumou namorada em Tabuí. O rapaz era da roça, mas não perdia festa na cidade, doido pra arrumar uma doida e se ajeitar na vida. Só que Zé Ruela era fraco de inteligência e muito tímido. Ficava sem assunto em presença de rabo de saia.  Mas sabia que, com moça da cidade, tinha que ser conversador, tinha que passar a lábia, senão a pretendida desistia.

Primeira vez que foi à casa da moça. Um sufoco. Vestiu a carater, colocou botina gomeira e botou perfume no cangote. Andou bem mais de uma légua até Tabuí. Chegando à casa da distinta, foi apresentado aos pais, pôs as mãos no bolso e não sabia mais o que fazer. Ainda bem que ela pegou cadeiras e foram os dois para a porta da rua, para ficarem mais à vontade. Zé Ruela, doidinho para agradar, caça assunto em tudo quanto é cantinho da cuca e não acha. Cérebro embotado. Até que surge uma idéia que ele, sem nem pensar muito, casca na namorada.

- Cê já viu onça?
- Eu não!
- Se ocê vê, cê caga!...

A moça deu um sorriso amarelo e começou a achar que entrara numa canoa furada. O Zé, sem desconfiômetro, acreditou que estava agradando. Mastiga outra idéia na cuca e solta:

- Cê já foi mordida de cobra?
- Eu não! Credo!...
- Dói pa carai....

A namorada, agora com certeza de ter entrado em canoa furada, começa a pensar numa maneira de descartar o Zé Ruela. Mas ele ataca de novo:

- Lua bonita, né?
- É...
- Boa pra gente andá no cavalo do vizinho, né?

Nessa hora ela não resistiu e deu uma risada. Teve dó do desajeitamento do rapaz. E ele, pensando que estava por cima da carne seca, comete um atrevimento. Pega no dedinho mindinho dela e fica balançando pra lá e pra cá. A moça, querendo ver no que ia dar, deixou. E Zé Ruela fica lá, balançando o mindinho da moça enquanto assunto não aparecia. Finalmente, cumulo da intimidade, olhando pro dedinho dela, fala:

- Benhê!... Eu te quebro o dedo!...
A moça, que não esperava por um papo desse tipo, desafia:
- Então quebra!
E ele:
- Trac!!!...

Quebrou o dedo da donzela e o namoro, mal começado, acabou ali mesmo.

Autor: Eurico de Andrade

 

BOTINA NA MEDIDA - Zequinha Faria  estava pra lá dos 70 anos e tinha a vista cansada. Não acertava com os óculos comprados sem receita médica. Era famoso pela humildade e pela desordem que imperava em sua sapataria, a mais antiga e tradicional de Tabuí.

Mesmo desorganizado, os fregueses não o abandonavam devido aos preços camaradas que ele cobrava pelos seus serviços. Geralmente seus calçados eram feitos sob encomenda e sob medida.

Um dia chegou à sapataria o senhor Tonico Teixeira, lá das bandas da fazenda Toatoa. Tonico Teixeira, também pra lá dos 70, era homem sério, de semblante rude e voz arrogante. Cumprimenta o velho Zeca, pergunta pela noiva e pela data de casamento.

- Compade Tonico, a data do casamento só depende do meu irmão, o Padre Faria, que a quarqué hora entra de férias lá em Bambuí. Aproveitano sua pergunta, inté vô te convidá pra ocê ajudá a me amarrá!

- Uai, compade  Zeca, é todo meu prazê! Inté vai interá treis veis que ti apadrinho, né memo? Antão, compade Zeca, vamo aproveitá e tirá a midida dos meus pé pra ancê fazê uma butina bem bunita pro dia do seu casório!

Tonico Teixeira tinha os pés curtos e esparramados, formando um semi-círculo. Zequinha Faria  pegou caneta, papel e fita métrica. Media os pés do seu compade e cautelosamente anotava as medidas, coisa que outros sapateiros da cidade não se aventuravam a fazer. Eram sabedores de que não encontrariam fôrmas adequadas para aqueles sofridos pés.

- Quando é que fica pronto, compade Zeca?

- Daqui uns 15 dias tão prontos compade Tonico!

Passados os 15 dias, tá lá o velho Tonico na porta da sapataria.

- Pronto, compade?

- Não!

- Pra mode quê?

- Perdi as mididas.

- Antão nóis tira outra, compade Zeca!

Tiraram outras medidas e marcaram o dia da entrega. Novamente o desorganizado sapateiro perdeu o papelinho onde anotara tudo. Começou a pensar nos coices, na arrogância e no falatório do compade. 
Fazer o quê? Numa breve reflexão, lembrou-se de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis. A solução veio na hora. Pegou um prato esmaltado, um pedaço de vaqueta, afiou a faca, colocou dois óculos no seu rosto magricelo, olhou pra frente, olhou pros lados e falou:

- Seja o que Deus quisé!

Meteu a faca na vaqueta, cortou-a na forma do prato, solou os cortes, colou os saltos e pronto. Estavam prontas as benditas botinas. Parecia um rodeiro. No dia marcado chega o velho fazendeiro.

- Tão pronta as butina, compade?

- Sim!

- Antão dexa eu isprementá, pra vê si é preciso de currigi!

O carrancudo fazendeiro enfiou os pés nas botinas, deu uma volta, repetiu o desfile, parou, olhou admirado pra elas, levantou os olhos em direção ao compade Zeca e admoestou:

- Compade Zeca, sê organizado! Num perca essa midida! Ancê tem mãos de fada pra tirá uma midida!

O velho sapateiro, com voz pausada e tímida, respondeu:

- Num tem perigo, compade Tonico ! Enquanto existir prato esmartado pra vendê, num vai fartá midida pros seus pés!

fonte: Eurico de Andrade

 

 

CAIPIRAS NO EXÉRCITO - Zebedeu, aos trancos e barrancos, lutando com a pobreza da vida, chegou como pôde aos dezoito anos. Penugens esparramando pelo rosto, voz de taquara rachada, muque crescendo e vontade de mulher arrebitando as calças. Idade da responsabilidade e hora de decidir o que fazer da vida. Sonho de ser cantador de moda caipira, segredo bem guardado no coração. Revelava a ninguém. Ririam na sua cara. Afinal, nem um pandeirinho sabia tocar e quando aventurava uma cantigazinha era mais desafinado que filhote de urubu em dia de inspiração. Negócio era ir empurrando com a barriga. Até que apareceu a chance de servir ao glorioso Exército Brasileiro.

Pai falou:
- Vai, fio. É profissão boa. Ingaja lá c'os home qui'ocê pode virá dipressa arguém na vida. Demora poco cê vira cabo, sargento...
- Mas, pai, eu tô quereno istudá!...
- É mais mió cê tê profissão primero, fio! Istuda depois qui'ocê tivé dinherinho no borso!

Zebedeu craniou, craniou... sonhou com a farda verdinha... aquele montão de medalhas no peito... carrinho novo... mulherada dando sopa... decidiu ir. Seja o que Deus quiser. Na véspera tirou um sarrinho com a namoradinha banguela. Lambuzou a moça toda de beijos, juntou umas roupinhas numa caixa de papelão, largou Tabuí e se mandou pra Divinópolis virar soldado.

Primeiro dia de engajamento, sargento Pedro, vulgo Pedrão ou Besta Quadrada, coloca todo mundo perfilado e pede que cada recruta dê um passo à frente e se apresente, com voz bem forte, dizendo nome, terra de origem e profissão. O sargento, embora burro, era milico organizado. Anotava tudo no livrinho verde.

- Marcolino dos Santos, de Santana dos Brejos, datilógrafo!
- Manuel Procópio de Jesus, de Uruburetama, roceiro... aliás, discurpe Sargento! Lavradô...
- Almir S. Pinto, o Mi, de Alpercatas, mais conhecida como Precata! Sou estudante, sargento Pedrão!

O sargento ficou meio sem graça ao descobrir que seu apelido já era conhecido da nova turma e como não gostou da desenvoltura do recruta, resolve dar o troco:

- Esse S. aí do seu nome, por um acaso quer dizer "Sem"? E olha, senhor Almir, estudante não é profissão!

O rapaz, todo respeitoso, cheio de medo e envergonhamento, consegue dizer:

- Tá bão sô sargento! Discurpe ieu! Bota aí entregador de leite, leiteiro, se o senhor quiser, tá?! E o S. é S de Silva, reverendo Pedrão!
- Seguinte!
- Esmeraldo de Jesus Cançado, de Pindura Saia! Pescador!
- Gerardo Tadeu, de Cráudio! Pedrero, sô sargento! Pedrero fazedô de casa!
- Ô lambisgóia! Gerardo Tadeu de quê?
- É Gerardo Tadeu só, sô sargento!

Sargento escreveu no livrinho: Gerardo Tadeu Só.

- Onofre Montesquieu da Silva, mais conhecido como Quézinho, do Morro do Tira Prosa, estudante!
- Já falei que estudante não é profissão! - Berra o sargento com aquele vozeirão de trombone. Recrutada inexperiente até tremia nas bases a cada grito do sargento Pedrão.
- Sim excelência, desculpe! Digamos que sou ator...
- É cada doido que me aparece!... Seguinte! Cambada de palerma!
- Zebedeu Pancrácio Assunção, de Tabuí...
- E a profissão, seu burro!

Sargento, todo vermelhão, trepando nos tamancos, não estava para brincadeira. Zebedeu, como sabia que o sargento ia ficar fulo da vida se dissesse que era estudante, resolve não chamar as iras sargentais sobre seu costado.

- Siguinte, sargento, eu... eu... ajudo meu pai, sô sargento!...
- E o que que seu pai faz, seu desgraçado?
- Ele?... Meu pai é... bem ele... é ajudante de fiscal da Coletoria Municipal! Aposentado, sô sargento!

Autor: Eurico de Andrade

 

CADA DOIDO COM SUA SABEDORIA - Padre Anacleto ia pra Perdição. Estradinha a fora, cheia de buracos e de poeira, dirigindo seu fusquinha velho. Curva em cima de curva. Matão danado em volta. Se Tabuí já é sertão, imagine só o que era o sertão de Tabuí. Fusquinha ora engasgava, ora tremia, ora dava umas rateadas, mas ia indo. Subida então, era um desarranjo. Carrinho aprontava berreiro danado, soltava fumaça por tudo quanto é buraco, mas ia rodando. Seu vigário um tanto quanto pesado.

Aí chegam os dois, Padre Anacleto e o fusquinha, no matão mais fechado. Aquele onde todo mundo falava que tinha umas onças... Bichanas nem podiam sentir cheiro de carne humana que tavam em cima da carniça. De tão fechado o mato, parecia até que tinha escurecido. E, para arrematar, povão dizia que assombração ali também era mato. Sô vigário não acreditava muito nessas coisas não, mas por via das dúvidas, era bom ficar prevenido. Foi lá que aconteceu a desgraça: pneuzinho careca do fusquinha furou. Rodar com pneu furado prejuízo na certa. Paróquia pobre. Padre pobre. Sair do carro risco grande demais. Coragem pouca. Padre Anacleto craneia, craneia e não acha solução. Nenhum vivente à vista. Ninguém para uma demãozinha. Viu que tava mesmo cagado de arara. Casamento lá na Perdição tinha hora marcada. Noivinha já devia estar chegando à igrejinha na charrete toda enfeitada. Agoniada esperando a grande hora.

Com um friozinho na barriga coitado do padre resolve sair do carro e trocar o pneu. Rezando o Creindeuspadre. Atento a qualquer barulho. Suando frio dentro da batina larga e puída. Olhando de rabeira pra tudo quanto é sombra. Pronto para refugar frente a qualquer sinal suspeito. Trabalhão danado pra tirar pneu furado. Mãos acostumadas a rezar missa, sem traquejo com chaves, macaco e parafusos. E a tralha velha não colaborava: macaco sem óleo, chave da boca maior que as cabeças dos parafusos... Tirou o bicho mais no muque, com uns palavrões seguidos de Padrenossos, do que com a ajuda do macaco e da chave de rodas. Pegou a calota, virou-a de boca pra cima e nela colocou cuidadosamente os quatro parafusos pra não perder nenhum e nem pegarem poeira. Como o carrinho estava meio mole, freio de mão avariado, resolve procurar uma pedra para calçar o danado. Bem no barranco, assim perto duma moitinha, vê uma pedrona boa. Borrando de medo, mas com muita fé em Deus, sai de perto do carro e vai pegá-la. Um pé na frente e  outro atrás, pronto para a refugada. Quando tá com a bruta nas mãos, fazendo força, ouve um barulhão dentro da moita. Sente aquela friagem na espinha, pernas amolecem, coração acelera e os poucos cabelos arrepiam. Mas instinto de sobrevivência fala mais alto e o pobre do Padre Anacleto sai numa desabalada corrida carregando a pedra. Reto no rumo do fusquinha. Chega perto do carro, solta a dita cuja de qualquer jeito e tafuia dentro dele esperando pelo pior.

Fica no quieto tempão danado, a ponto de rezar quase todo o rosário, e... Nada. Bicho nenhum aparece. Nem assombração. Negócio era criar coragem novamente e voltar ao que tinha começado. Melhor pensar que o barulho era de algum lagarto ou de um gato do mato assustado. Assim que o padre sai do carro é que vê a burrada que fez. A pedra caíra na borda da calota e, com a queda, jogou os parafusos pra longe, no meio do mato. Achá-los, impossível. Procurar, nunca. Desespero toma conta do coitado. Xinga umas palavras em italiano, mas rapidinho se arrepende e pede perdão a Deus. Já sujo, molhado de suor, rezando baixinho, com fome, senta lá dentro do carro esperando solução. Noite chegando. Medo agoniado e inconfesso espremendo o peito.

Depois de muito rezar, vê um vulto aparecer no alto do morro. Põe óculos, tira óculos... E o vulto descendo. Devagarinho. Pára, anda, pára de novo. E o Padre Anacleto tremendo e butucando de olho arregalado:

- Ai Dio mio, agora é sombração mesmo!... O que que eu fiz de errado, meu Deus? Virgem!...

O santo homem sente vergonha de si mesmo, do medo que estava sentindo e se lembra até dos sermões que fazia na missa do domingo contra essas crendices pagãs. Na prática teoria era outra. Novamente põe óculos, tira óculos e o vulto vindo. Sem pressa, naquele mato escurecente. Quando o vulto chegou bem perto foi que o Padre Anacleto entendeu que era gente. Gente de verdade. E não é que ele conhecia o dito? Era o Dejalma. O doido lá de Tabuí.

Aí Padre Anacleto se encheu de coragem e saiu do carro. Foi com santo alívio que cumprimentou o recém-chegado:

- Boa tarde, Dejalma! O que que anda fazendo por estas bandas, figlio mio?

- Tarde!

- Tá passeando, Dejalma?

- Pensano!...

- Pensando em quê, Dejalma?

- Cê leva ieu?

O padre pensou consigo mesmo: "que adianta eu querer conversar com este maluco? O maledetto não diz coisa com coisa mesmo!". Mas, como não queria perder a companhia, mesmo sendo de um lelé da cuca, continuou o papo como se fosse tudo dentro da maior normalidade.

- Levar, levo, figlio! Negócio é que o pneu tá furado...

- Por que ocê num troca?

- Era o que eu ia fazer, Dejalma, mas perdi todos os parafusos desta roda e não tenho outros para colocar no lugar...

Dejalma parece que esquece do que estavam falando. Fica olhando pro mundo. Resolve dar uma volta em torno do carro como se o examinasse com olhos de comprador. Olha daqui, olha dali... Desenha uma careta no vidro empoeirado... Dá uma risada... Abre porta, fecha porta... Pára. Olha pra moita na beira do barranco onde vê um pé de murcha-mulata carregadinho de flor. Vai lá, pega um galhinho e vem cheirando. Sô vigário só de butuca. Quando ia perguntar se podia contar com aquela companhia maluca noite a fora, naquele ermo, Dejalma dá uma aspirada na murcha-mulata e olhando para um ponto fixo no espaço, diz:

- Por que ocê num tira um parafuso de cada rodeira e põe nessa?

Foi tudo muito rapidinho. Padre Anacleto e o Dejalma chegaram à Perdição quando a noiva, triste e chorosa, estava dentro da charrete pronta pra ir pra casa e o povão já indignado com o que seria uma grande desfeita do seu vigário. Ninguém entendeu foi porque o Padre Anacleto estava andando na companhia daquele maluco. Também ninguém perguntou. Povo da Perdição é assim: não é especula, só sabe o que é pra ser sabido.

Autor: Eurico de Andrade

 

VAQUEIRO EM APUROS - Dois grandes amigos, assim o foram até o dia em que Deus levou o velho Coronel Messias Targino para o andar de cima.

Tudo que João Calista planejava ou fazia, combinava antes com ele. O respeito e a amizade recíproca permitiam inclusive muita brincadeira entre os dois e entre as suas famílias.

- Deixe de ser Pão Duro, Homem. Disse O velho Messias ao encontrar João Calista na feira do Junco.

- Você não faz uma brincadeira de gado na Boa Vista, com uma boiada tão boa. Realmente naquele ano o inverno tinha sido generoso e os 20 ou 30 garrotes apartados, estavam gordos e graúdos, e faziam uma bela boiada,  Além desses, mais uns doze bois mansos que lidavam com o trato do algodão mocó, e agora no verão curtiam suas merecidas férias.

- Faço não. Respondeu João Calista,
- E não faz por que?
- Não faço que não tem vaqueiro que derrube meus bois. Disse isso, já em tom de desafio, pois sabia que o orgulho de seu Messias era o seu filho mais novo, Paulo, respeitado por todos os vaqueiros da região. Brincadeira de mourão ou vaquejada, pelo sertão aonde Paulo de Messias chegava, era campeão.

- Homem, largue de ser besta, pois faça, eu quero ver se Paulo não bota tudim no chão. 
Messias Targino, homem direito e respeitado, adorava um desafio, ainda mais pra ver João Calista aperreado. Vendo os seus bois caindo um a um pelo braço forte da dupla Paulo e Durval, que ele já imaginava.

Na realidade a Fazenda Boa vista, propriedade de João Calista, que ele comprara ao Seu Tião, nunca tinha sido palco de vaquejada. Seu João achava isso um esporte duvidoso, dava muita cachaça, além de maltratar o gado. Prejuízo na certa.Mas, não queria perder a oportunidade de aprontar mais um entre tantos casos de brincadeira que tanto lhe dava prazer.Realmente, sabia que Paulo não deixaria nenhum dos seus bois em pé. Mas, mesmo assim desafiou.

- Só faço de for apostado; disse se dirigindo ao velho Messias Targino, que levantou o chapéu, torceu a bengala para ouvir melhor.   - Como assim?  Perguntou.

-Cada boi que Paulo derrubar, eu perco cinco cruzeiros, se ele não derrubar você me deve cinco cruzeiros.

- Mas, ora porém na verdade, ta feito!

Marcaram o dia, num sábado de setembro de 1968. Muita gente, do Junco (hoje Messias Targino), de Janduís, de Patu, de toda redondeza.

O pátio da Fazenda tava preparado. João Calista ordenara a seu Nicássio e Zé Macal, dois moradores, que limpassem tudo. A boiada tava no curral grande devidamente pronta.

Dona Belita, na cozinha, com paciência, preparava tudo. Sabia que tinha que ter muita comida, muito café, muita água. Mas, já estava acostumada, afinal, em cada campanha política era sempre assim. Um garrote já tava no fogo, mais dois carneiro, além de muitas galinhas. Era uma grande festa realmente. Tinha nestas ocasiões muitas pessoas com quem contar: Dona Antonia de Nicásio, a nêga Bolo, dona Santina, que vinha lá do Córrego da Cruz, enfim as moradoras todas, afinal era uma festa e todo mundo queria participar de um jeito ou de outro.

- Vêm Vêm chegando os vaqueiros, que se arrumam, cada um ao seu modo, não existe nenhuma pompa, tudo muito simples, mas devidamente arrumado. A grande expectativa é para o desafio de Paulo com os Bois de João Calista.

O velho Messias Targino se posiciona na ponta do alpendre para acompanhar o movimento.

-Vambora João Calista, já ta arrependido? Solta esse gado!

- Pronto menino, vai começar! Chega Messias venha cá.

Paulo no seu cavalo, já a postos formava com o amigo Durval uma grande parelha realmente. No pé do mourão aguardava a saída do primeiro boi.

- Bota o Boi Nicássio! Grita João Calista.

Abriu-se a porteira e um boi grande lavrado, pesando entre dezoito a vinte arrobas, sai feito um relâmpago de dentro do curral. Não demora e os vaqueiros já estão com o boi na mão, aproxima a risca fatal, Paulo prepara-se, dá no boi com toda sua força, e nada. Para surpresa geral: Zero Boi.

- Que diabo é isso? Grita Messias, mesmo sabendo que naquela distância ele não poderia ouvir.

- Cinco cruzeiros, você me deve, cinco cruzeiros, diz João Calista em tom de provocação.

Soltaram o segundo boi, a dupla já saiu do pé do mourão com o boi pegado. A mesma coisa aconteceu. Zero Boi.

O terceiro, o quarto...

Ai não deu mais pra agüentar. O velho Messias já vermelho de raiva e João Calista a lhe provocar.

- Mais cinco messias.

- Ora, vá a merda!

Já disse se dirigindo a pista aonde Paulo vinha, encabulado. O que estava acontecendo. Dava no boi, nunca tinha visto isso.

- Seu bosta, o que está fazendo? Lá em casa você quase mata meu gado na queda e aqui ta fazendo isso. Deixa de ser mole! , dizendo e se dirigindo para mais próximo.

- Não sei papai, eu dou no boi, mas ele escorrega. Foi olhando para a mão e percebeu. O que era aquilo, a mão toda encebada.

Isso era astúcia de João Calista, ah filho de uma mãe. Tinha encebado o rabo dos bois.
Foi uma grande algazarra.

Nem os bois caíram, nem o grande vaqueiro havia sido desmoralizado.

João Calista tinha feito realmente mais uma das suas.

Foi uma grande festa. A primeira e última vaquejada da Fazenda Boa Vista, terminou com muita comida, pouca bebida, muito forró, e, muitas, muitas gargalhadas. E um profundo sentimento de que para enfrentar a aridez do sertão, só muita amizade e trabalho, sem perder a esperança e o clima de amor às coisas da terra.

Antonio Gilberto de Oliveira Jales

 

DONA, ME DÁ MINHA VIOLA - O nome dele era Simplício. Simplício da Simplicidade. Homem erado, beirando os setenta. Pobre, magrelo e banguela, faltando os dentes da frente e só tendo as duas presas para, em forma de grampo, segurar o que entrasse boca adentro.

Simplício era cantador dos melhores. Bom de viola. Nas redondezas ninguém tirava uma folia melhor que ele. Folião de mão cheia fazia dessa sua arte, viola e folia, um meio de vida. Por isso é que vivia como um andarilho, de déu em déu, pr'aqui e pr'ali à procura de onde mostrar seus dotes.

Foi aí que dona Argentina, viuvona rica, proprietária duma baita fazenda, mandou chamar o Simplício pra ser o puxador da folia de Reis.

Na véspera chega ele lá. Paletozinho seca-poço encarnado numa mão e a velha viola debaixo do braço. Vai entrando de mansinho sem ver o Tufão. Cachorro vira-lata dos grandes, cheio de fome, de magreza, de berne, de sujeira e com as vistas fracas. Tufão, mal viu o paletó cor de carne, não pensou nem uma vez, já que cachorro não pensa. Deu um bote e... era uma vez um paletó encarnado! Simplício só ficou com um pedaço dele na mão.

Agoniado, pesaroso com o acontecido, nervoso com o atrevimento do vira-lata, acaba de chegar, falando de Simplício para Simplício: "tem nada não, despois duma curva sempre tem uma reta...". Conversa vai, conversa vem, fica no alpendre esperando a noite chegar e, junto com ela, os companheiros da folia. Raiva foi embora não.

Numa certa altura dos pequenos acontecimentos, tão comuns na vida de Simplício, ele ouve a fazendeira gritar pro filho:

- Mundico! Vai pegá caju pro gato!

Passa um tempo e a mesma lenga:

- Anda digero, minino! Cadê os caju do gato!

Simplício, muito calmamente pega o que sobrou do paletozinho, levanta do banquinho, chama dona Argentina e pede:

- Dona, me dê minha viola!

- Uai, sô Simplício, vai tocá arguma coisa pra gente?

- Vô nada! Vô é m'imbora!

Quem ouviu se assustou com a decisão do velho. E ele, já começando a se mandar, resolve dar uma explicação:

- Em lugá que cachorro come palitó e gato chupa caju, Simplício da Simplicidade véio num canta e nem toca! Inté!...